quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Por trás do vidro preto

Apesar de tentar ser sempre gentil e educado na direção do meu carro, dia desses fui criticado por um amigo porque não fui gentil com ele no trânsito. Ele estava com seu carro tentando entrar numa avenida que estava com trânsito lento, ele me viu vindo lento nesta avenida, pediu passagem e eu não lhe dei chance de entrar. Segundo ele, foi uma grosseria. Tentei lembrar do momento, mas não consegui. Aí lhe perguntei como era o seu carro. Ele me descreveu o carro e o “ponto-chave” que me levou a não lhe dar a passagem: seu carro tinha vidros escuros.

Como é que eu vou reconhecer uma pessoa se ela se esconde atrás de um vidro escuro? Impossível. Eu não sou gentil e educado com máquinas, mas eu sou educado e gentil com pessoas. No trânsito, eu não dou passagem para os carros, eu dou passagem para as pessoas que dirigem os carros. Um carro com vidros pretos para mim é apenas uma máquina, mais nada. Não preciso ser gentil com máquinas. Gosto de ver as pessoas dirigindo os carros. Gosto de sorrir para as pessoas ao lhes dar a passagem Gosto que as pessoas sorriem para mim no trânsito, estando em outro carro ou como pedestres que passam pelo meu caminho.

Esta neura de segurança fez as pessoas colocarem filme escuro nos seus carros e, com isso, se esconder dentro de suas máquinas. Não posso reconhecer quem eu não enxergo. Não posso dar passagem para um carro que eu não sei quem está dirigindo e que eu não enxergo se o motorista está me olhando ou não. Para que eu conceda uma preferência no trânsito, não precisa colocar o bico do carro na frente do meu, obstruindo parte da minha passagem. Aliás, isso me irrita profundamente, me faz parecer alguém tentando levar uma vantagem sobre mim. Para que eu conceda uma preferência no trânsito basta me olhar, sorrir e fazer um pequeno gesto com o dedo ou com a cabeça. Mas não adianta fazer isso atrás de um vidro preto, que eu não vou enxergar.

Quem se esconde atrás do vidro preto do seu carro se isola do mundo, coloca uma barreira entre si e os outros. Em troca de uma questionável sensação de segurança, abre mão de um saudável relacionamento com as pessoas que cruzam seu caminho, seja em outro carro ou a pé. Torna totalmente impessoal os possíveis encontros no trânsito. Aí não adianta reclamar que não foi visto, ou que o trânsito está cada vez mais estressante. Pague o preço e não reclame.

Gosto de vidros transparentes. Gosto de ver as pessoas e com elas me relacionar, mesmo que seja por um ínfimo instante. Fazer uma pequena gentileza no trânsito me faz bem, mas apenas se for para outra pessoa, não para uma máquina.

Gentilezas para uma máquina ainda não estou fazendo. Nunca farei.

Um abraço do Dr. I

2 comentários:

  1. Belo texto... Além de me identificar com o relato, também tenho o mesmo sentimento no trânsito. Já foi-se o tempo da gentileza pois as pessoas andam cada vez mais sem tempo!!! Show de bola.

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  2. Maravilhoso seu texto, também me relaciono com pessoas e não com máquinas. Parabéns!!!
    abraços

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